Um dia desses estava voltando pra casa, pensando nos problemas, nas soluções, maquinando com meus neurônios quando o semáforo me sinaliza para parar e aguardar ele ficar verde outra vez.
Baixei o vidro do carro pois o ar-condicionado estava começando a ficar frio demais, e nada como uma brisa de ar natural para amenizar o ambiente. Quando me deparei com um vendedor de siriguelas em minha janela, me oferecendo um saco com mais ou menos umas 400 gramas daquela fruta que tem o seu tamanho totalmente desproporcional ao seu sabor, por apenas R$2,00, isso mesmo, R$2,00.
Não resisti e comecei a catar as moedinhas que guardo no tabeliê do carro, desesperado por encontrar a soma que o vendedor exigia!
Bingo! Entre moedas de 0,50, 0,25 e até mesmo de 0,05 centavos consegui juntar os benditos R$2,00!
Fui feliz da vida, irresponsavelmente dirigindo e saboreando aquelas pequenas bolinhas de caroço tão ingrato e de tão prazeroso sabor e aroma.
Foi como uma máquina do tempo que me fez voltar aos meus 12 anos de idade, época em que se andava nas ruas ainda de areia batida, e como sempre fui morador de "beira-de-praia" andavamos mesmo era descalços!
Naquela época ser criança era algo que não esqueceremos, mesmo com um centenário de vida.
A turminha na rua era formada por pessoas de caracteristicas únicas, e cada uma dessas caracteristicas era responsável por um apelido, o meu era cabeção. Sempre fui dotado de um baita macrocéfalo, mas o que não entendem é que o resto acompanha, ora essa!
Lembrei-me que a turma era unida mas tinha uma coisa que fazia qualquer amigo virar oponente na hora: ver quem conseguia roubar mais frutas na vizinhança! Eu era uma criança grande, aos 12 anos ja tinha 1,70 fácil! E na arte de me esticar entre os galhos, muros com pregos e vidros, e obstaculos mil, eu tinha Phd!
Certa vez estava num terreno abandonado, em cima de um "pé-de-siriguela" fazendo a festa! Já ia na terceira sacola de siriguela cheia quando aparecem o Marcelo "Dopado", Esmelindo "Esmé" (é o nome dele mesmo) e o Luciano "Curumim" os tres veem as minhas sacolinhas cheias de siriguela embaixo da arvore, e eu... lá no olhinho, colhendo as ultimas, nada pude fazer quando pegaram as minhas siriguelas e sairam, correndo e rindo de minha cara. Ganharam a batalha!
Porém caros leitores, o mundo da voltas, e eu tinha uma imaginação que nem ligava pro céu quando ele era o limite, comecei no mesmo dia a preparar a minha vingança.
Fica o aviso: não mexa com uma criança que é artimanhosa! Consequência é algo que ela não conhece, e limite... bom, já falei sobre limites!
Passei semanas juntando garrafas de vidro de todos os tipos, potes de maionese, copos de geleia, garrafões de vinho e por aí vai, e juntava tudo caladinho, e depois de ter uma quantidade satisfatória, esfarelei todas aquelas garrafas e juntei tudo em dois baldes.
Certa vez passando pelo terreno das siriguelas, por sorte minha ou karma deles, avistei o mesmo trio que me roubou em cima do "pé-de-siriguela", felizes e satisfeitos por já terem juntado várias sacolinhas da fruta embaixo do pé, foi quando eu corri com tudo o que podia até o lugar que havia guardado o vidro esfarelado e fui correndo espalhar tudo em volta da arvore enquanto eles de cima ficavam cada vez mais desesperados. Cobri mais ou menos uns 4 metros de raio ao redor da árvore, peguei todas as sacolas de siriguela e sai caminhando em passos curtos, ao contrário do trio que quando me roubou saiu correndo!
Eles simplesmente não acreditavam quando eu ia embora e ria da cara deles com o retrato da vingança estampado num sorriso de orelha a orelha.
Foi quando me peguei de volta dentro do meu carro com o mesmo sorriso, fechei o vidro e falei comigo mesmo: Obrigado vendedor de siriguelas, por me lembrar essa tão saudosa história da minha infancia...
Ah, o trio? Ficaram em cima da árvore por varias horas, até que o dono da padaria, Sr. Ferreira, abriu um caminho pra eles enfileirando alguns tijolos sobre o vidro. Afinal nos tinhamos os pés de solado grosso de tanto andar descalço, mas pra aquele vidro, nem esses pés se arriscavam!